domingo, 21 de agosto de 2011

Memória viva da ditadura


No dia 06 de junho de 1980, o paraense torneiro mecânico José Nonato Mendes recebeu do Poder Judiciário, Justiça Militar Federal, uma folha de papel que, em 17 linhas, o anistiava de atos e fatos ocorridos principalmente entre o finalzinho dos anos 50 e meados da década de 70, quando esse paraense, nascido em Belém, ingressou no Partido Comunista, entrou em organizações esquerdistas radicais como VPR e ALN, recebeu treinamento de guerrilha em Cuba e passou três anos preso como prisioneiro político no presídio Tiradentes, em São Paulo. Aos 83 anos, com um pedaço da vida registrado em livro e vivendo de uma aposentadoria de um salário mínimo, o ex-militante tenta obter uma indenização pelas torturas recebidas e ser reconhecido, cada vez mais, como integrante protagonista da história recente do Brasil.

É no bairro da Cidade Nova, em Ananindeua, que Nonato passa os dias, querendo que a intenção inicial da presidente Dilma Rousseff de fazer com que a memória e a verdade desse passado da ditadura militar venha realmente à tona. “Seria importante para o País”, diz ele, observado de perto pela filha e pela mulher. “Essa história precisa ser contada de forma completa”, acredita.

Nonato começou a ter contato com a ideologia comunista cedo, ao sair de Belém, acompanhando um irmão a Monte Alegre. Lá, conheceu um homem chamado Barradas. Época de Getúlio Vargas e mudanças na política brasileira. Barradas o aproximou dos ideais igualitários que o Partido Comunista difundia à época. Período em que a Coluna Prestes era vista como ideal a ser seguido.

Mas foi só em São Paulo, em 1952, que Nonato Mendes, já trabalhando como torneiro mecânico, realmente foi seduzido pelo ideário comunista. Lá, conheceu um ‘companheiro comunista’ que o levou à Lapa, onde havia uma sede do PCB. “Conheci o Carlos Marighella no início dos anos 60. Marighella foi um político e guerrilheiro brasileiro, um dos principais organizadores da luta armada contra o regime militar a partir de 1964. “Era um líder. Uma força muito grande”, lembra Mendes. Marighella foi do PCB, de onde saiu para criar a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e depois partir para a Ação Libertadora Nacional (ALN), ambas organizações de extrema esquerda que pregavam a luta armada para derrubar a ditadura militar.

Foi por intermédio de Marighella que Nonato acabou indo parar em Cuba para treinamento de guerrilha, junto a pelo menos mais onze militantes. Nonato conheceu Fidel Castro, o irmão Raul e o ícone dos revolucionários, Che Guevara. Passou um ano e dois meses na ilha comunista. Antes da ida, no entanto, Nonato acabou por ser, involuntariamente, personagem de mais uma das histórias pouco contadas da ditadura militar. O assassinato de uma pessoa que nada tinha a ver com a militância política.

Era o caseiro de um sítio que Nonato havia comprado em Cotia (SP). Foi logo depois do golpe militar, em 1964, Nonato procurava uma pequena propriedade rural para comprar. Usava à época o codinome Tibúrcio. No sítio, a intenção criar um “aparelho rural” para a organização, a fim de esconder armas, treinar guerrilheiros e servir de esconderijo. Nunca chegou a funcionar efetivamente com esta função.

Antes de ir para Cuba, Nonato arranjou um caseiro para o sítio. Foi o maranhense Joaquim. Quando o sítio foi descoberto pela repressão militar, Joaquim foi confundido com um militante e assassinado.

Em Cuba, Mendes fazia estudos políticos e socais sobre a América Latina, praticava sobrevivência na selva, aprendia a fabricar armas e explosivos e fazia longas marchas subindo e descendo morros, em treinamentos que duravam até 15 dias. Ao voltar ao Brasil, o cenário era o pior possível. Os militares já sabiam dos passos dos revoltosos. “Fomos traídos. Ficamos à deriva”, diz. Mendes foi até Cotia, mas, quando viu que o sítio havia sido descoberto, foi encaminhado para Pirituba, também interior de São Paulo. Conseguiu depois um emprego na capital. Mas o nome já estava marcado. (Diário do Pará)

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